Sábado, rotina de sempre, isso não se mudou pra mim, mas minha cabeça estava totalmente, era só naquilo que pensava, basicamente. Em dias de show, eu tenho um "ritual", que sempre toco um pouco cedo da tarde, não toco nenhuma música e procuro não treinar nada do que vou fazer, gosto de deixar as coisas do jeito que já estavam, eu só toco um pouco, qualquer coisa, vou tocando, acho que só pra poder chegar pros guri depois e dizer "bah, toquei um pouco hoje, e tô tocando bem", como eu sempre faço. Porém, dessa vez eu não tava preparado mesmo, eu acabei dedicando esse tempo pra dominar melhor uma parte de uma música que eu tava com dificuldade, que eu praticamente aprendi a fazer certo no mesmo dia do show e tocar uma música que considerava difícil, e se fosse pra tocar ela hoje, um ano depois, eu ainda ia ficar chorando por causa dela, porque eu sou chato mesmo, não porque sou cagão, pra mim, não tem graça se não tem desafio.
Depois desse tempo no galpão, tocando, fui para o meu compromisso de todo sábado, que saí por volta de umas 4 ou 5 da tarde, dali, já tinha marcado com o meu ajudante titular, o Lopes, pra pegar a bateria, mas ainda passei no Lucas pra ele ir junto, nos apertamo pra ele já ficar junto da gente. Feito o serviço da bateria, a gente, que acho que ia esperar ainda o Fox abrir, que acho que iria abrir umas 7 horas, mas que só abriu às 8:30, pelo o que eu lembro, então, pra matar tempo, ficamos andando por aí, foi legal que colamos o cartaz do show no carro e fizemos coisas do tipo, passar na frente dum festival e buzinar, pra chamar atenção, bem guri mesmo.
Fox aberto, agora era levar as coisas lá para dentro, e foi aí que veio o desafio. Quando eu fui subir a escada, levando um cubo, bati bem na pontinha do corrimão com o dedo do meio da mão esquerda (ainda bem que foi a esquerda), aí o Xedar falou algo do tipo "batesse, te machucasse?", e eu só respondi algo "não, só dei uma batidinha", daí, quando soltei o cubo lá em cima, vi meu dedo todo coberto de sangue, o corte tinha sido fundo. Fui no banheiro, lavei, mas não parava de sangrar, e eu fui pro chão, praticamente desmaiei (foi a primeira e única vez que desmaiei, não sei bem dizer o que foi aquilo), lembro que tavam falando comigo e eu não conseguia responder direito. Depois dum tempo, minha pressão subiu denovo, e foi aí que apareceu o tal desafio: faltava duas horas para o show e eu tava com um dedo que sangrava toda a vez que eu o forçava, além da dor, claro. Bom, não fiquei pra passar o som e fui pra casa cuidar disso.
Eu já tava tendo pensamentos bem meus, dos que formulam toda uma teoria pra eu poder achar uma lógica pra esse tipo de coisa acontecer, porque aquilo foi realmente impressionante. Se eu fosse num médico, ele ia dizer que não era pra eu tocar, mas essa possibilidade não existia, em casa, fiz os curativos e enfaixei todo o dedo. A gurizada tinha me ligado pra eu ficar tranqüilo e descansar, que só ia precisar voltar lá às 11. E foi o que eu fiz.
Cheguei lá e fiquei animado, todo mundo tava animado, tava enchendo o Fox, segundo o barman, fazia tipo um ano que não ia tanta gente no Fox como foi naquele dia. O ambiente tava perfeito, quem tava lá realmente tava lá a fim de nos ver, e pra quem faz show, não tem coisa melhor que isso, antes de subir no palco, eu já sabia que, podia acontecer qualquer coisa, mas quando acabasse eu ia achar do caralho.
Uma coisa que vale registrar, que me marcou, foi quando eu fui conferir a bateria, já que eu não tinha montado ela por conta do que aconteceu com o dedo, foi sentar no banco, conferir o posicionamento das peças (quem toca bateria sabe o quanto isso é importante) e tava tudo praticamente perfeito, o Lopes soube deixar tudo exatamente do jeito que eu usava.
O show tava do caralho, não tenho assim o que dizer pra acentuar o quão foi bom. Então, vou falar do pós-show, não vou ficar contando detalhes das músicas. Depois do show ainda ficamos lá um tempo, o pessoal vai indo embora e, no fim, sobra eu, o Rafael e o Iraê, sim, o Iraê, que há um ano atrás, ele ainda não subia em cima do palco junto da gente, mas isso não quer dizer que ele estivesse separado da banda, ele não parou de rasgar elogios, ele parecia realmente tão ou mais emocionado que a gente (ele era considerado tipo um "sexto mascate", agora é ótimo ter ele na banda tocando de verdade).
A conversa demorou para acabar, cheguei em casa e só dormi quando estava amanhecendo, acho incrível como alguns dias, alguns momentos podem ser facilmente transformados em filmes dentro da nossa cabeça, eu, com certeza não sei dizer o que eu fiz no dia anterior a esse, por exemplo, mas posso contar facilmente cada detalhe do dia 24/10/09. As coisas podem ser tão especiais quanto você acha que podem ser, e só quem guarda em si mesmo com amor aquilo que já passou, seja ruim ou seja bom, sabe que no fim, não haverá outro filme melhor para ver que não da própria vida.
Encerro agradecendo a todos que fizeram parte desse dia, sem citar nomes. Valeu pessoal.
O. Vinhas